Inês Henriques
Publicado no Jornal Económico | 08 de agosto de 2025

Num mundo marcado pela incerteza económica, por tensões geopolíticas e rápidas mudanças tecnológicas, já não chega reagir à disrupção: é necessário antecipá-la. Muito se tem falado sobre a competitividade do setor industrial português, em particular sobre a necessidade de inovação e a forma como se podem tornar mais competitivas e eficientes numa economia aberta. De facto, existe até um programa estratégico para a valorização da indústria portuguesa, elaborado pela Associação Empresarial de Portugal, que propõe o Portugal Industrial 5.0 como um mecanismo que pode ajudar na reindustrialização do país, promover a inovação e melhorar a produtividade e a competitividade, de modo a alcançar um crescimento económico sustentável.

Vejamos: segundo o nosso mais recente estudo “Voice of Our Clients”, baseado em insights de 177 clientes globais do setor industrial, apenas 42% dos inquiridos estão a ter um retorno claro dos seus investimentos em transformação digital. O que distingue estes líderes? Uma estratégia unificada em toda a cadeia de valor, sistemas seguros desde a conceção e a utilização de tecnologias avançadas como a Inteligência Artificial (IA), digital twins (ou gémeos digitais) e sistemas de execução da produção (MES), que permitem integrar as operações e obter informações em tempo real. Estes “líderes digitais" estão a modernizar os sistemas legados, a escalar plataformas digitais e a alinhar a tecnologia com os objetivos do negócio para terem mais agilidade e eficiência, e inovação em escala.

Outro dado interessante é que a inteligência artificial (IA) se está a tornar, rapidamente, na pedra angular da indústria moderna. Os dados revelam uma lacuna de implementação de quase 40% entre as empresas digitalmente mais avançadas e as demais no uso tradicional destas tecnologias, e uma diferença de 26% no que se refere à adoção da IA generativa. Para as primeiras, a IA passou a ser um diferenciador. As operações potenciadas pela IA, combinadas com os MES e os digital twins, permitem a automação em larga escala, a manutenção preditiva, o planeamento de cenários e a tomada de decisões de gestão mais rápida.

A retenção de conhecimento também está no centro das preocupações. Os programas de mentoria, a documentação de processos e os centros de conhecimento orientados para a IA estão a ajudar a captar e a transferir conhecimentos, enquanto as ferramentas de simulação e os gémeos digitais aceleram a integração e reduzem o risco. Os modelos de trabalho híbridos, as academias de formação interna são, igualmente, ferramentas essenciais nesta transição.

Em paralelo, a pressão sobre as cadeias de abastecimento está a exigir que a indústria repense a localização da produção e priorize a resiliência. A escassez de materiais, a volatilidade geopolítica e as exigências ambientais, como os passaportes digitais de produtos, estão a acelerar a opção por modelos de nearshoring e a adoção de cadeias de valor mais sustentáveis e controláveis. As empresas mais resilientes estão a recorrer a dados em tempo real e análises preditivas para monitorizar a saúde da cadeia de fornecimento, antecipar possíveis perturbações e responder de forma proativa. Com a ajuda da IA, conseguem conceber ecossistemas logísticos integrados, ambientalmente sustentáveis e altamente adaptáveis, otimizando a resiliência operacional e a eficiência em toda a linha.

Os líderes veem a resiliência das cadeias de abastecimento como um fator diferenciador e estratégico, essencial para alcançar resultados tangíveis. As cadeias de abastecimento têm vindo a evoluir para verdadeiros ecossistemas interligados, onde a colaboração entre múltiplos parceiros é essencial para garantir a continuidade e eficiência dos processos. O reforço da colaboração entre empresas, fornecedores, clientes e entidades públicas será determinante para criar ecossistemas industriais mais resilientes, sustentáveis e preparados para responder a eventos disruptivos.

Por outro lado, esta evolução implica também uma transformação cultural, centrada na agilidade, na partilha de conhecimento e na valorização contínua das competências. O talento torna-se um dos principais aceleradores da maturidade digital: promover a formação, incentivar a colaboração entre equipas e criar estruturas de aprendizagem contínua são passos essenciais para sustentar a inovação a longo prazo. Só assim será possível construir uma indústria mais resiliente, adaptável e capaz de enfrentar os desafios do futuro com confiança.

O futuro da indústria não depende apenas da adoção de novas tecnologias, mas também da capacidade de redesenhar a forma como as organizações planeiam, operam e se conectam ao seu ecossistema. Num cenário de mudança constante, as empresas que cultivarem a agilidade, o talento e a inteligência coletiva serão as que definirão os novos padrões do setor industrial.

Não se trata apenas de resistir à disrupção; trata-se de a transformar numa fonte contínua de valor sustentável.